** Autor: Dr Pablo Nascimento, neurologista, especialista em AVC, é médico assistente da Unidade de AVC e responsável pelo ambulatório de bloqueios neuromusculares com toxina botulínica do Hospital Santa Marcelina. É também professor do curso de medicina da Faculdade Santa Marcelina, em São Paulo – SP.
QUAIS OS TIPOS DE SEQUELAS APÓS UM AVC?
Após a ocorrência de um AVC, os principais questionamentos dos pacientes e seus familiares são quanto às consequências da doença. Quais serão as sequelas? O quanto é possível recuperar? O que é preciso fazer?
O AVC é a principal causa de perda de independência em todo mundo e, na maior parte das vezes, não estamos preparados para lidar com isso adequadamente.
A doença pode afetar as pessoas de diversas maneiras. Algumas se recuperam completamente ou ficam com sequelas que não trazem prejuízo para o dia a dia, já outras podem ter comprometimento de funções importantes do cérebro causando perda da funcionalidade. As principais sequelas causadas pelo AVC são:
- Fraqueza ou dificuldade com os movimentos (controle motor):
- Perda da capacidade de sentir o tato, dor, temperatura ou a noção de posição do corpo;
- Perda de força nos membros, que geralmente afeta um lado do corpo. A perda completa de força de um lado do corpo se chama hemiplegia, enquanto uma perda parcial é denominada hemiparesia
- Dificuldade na deglutição, o que é chamado de disfagia
- Perda de controle dos movimentos do corpo, prejudicando a postura corporal, o caminhar e o equilíbrio, denominado ataxia
- Rigidez muscular: No caso do AVC, além de haver fraqueza, pode haver também uma rigidez do músculo, chamada de espasticidade, que leva a uma postura inadequada, maior dificuldade de movimentação e dor.
- Alterações de sensibilidade:
- Perda da capacidade de sentir o tato, dor, temperatura ou a noção de posição do corpo;
- Dor, dormência, sensação de peso ou formigamento;
- Dor crônica pode ser causada em decorrência de alterações mecânicas ocasionadas pela fraqueza, como uso excessivo de um músculo para compensar a perda de movimento de uma parte do corpo. Também pode ser consequência da falta de utilização de um membro por período prolongado de tempo, fazendo com que as articulações fiquem muito tempo sem movimentação;
- Mais raramente a dor pode ser causada pelo dano gerado pelo AVC no sistema nervoso central, em áreas que controlam a sensibilidade e a dor. Esse tipo de dor é chamada de dor neuropática.
- Problemas na fala:
- As dificuldades da fala podem ocorrer tanto pela fraqueza dos músculos utilizados para articular as palavras, o que é chamado de disartria, quanto por acometimento de áreas do cérebro responsáveis pela comunicação. Neste último caso, o paciente pode apresentar dificuldade para expressar ideias e/ou compreender a fala ou a escrita, o que é denominado de afasia.
- Problemas na memória e raciocínio:
- O AVC pode danificar áreas do cérebro responsáveis pelo que chamamos de funções cognitivas (memória, pensamento, raciocínio, aprendizagem, entre outros). Alguns pacientes podem ter dificuldade com a atenção, planejamento e execução de tarefas, aprendizagem de novas habilidades e memória de curto prazo.
- Outros sintomas podem ser a incapacidade de reconhecer as partes do corpo afetadas pelo AVC (anosognosia), perda da capacidade de responder a estímulos provenientes do lado afetado pelo AVC (negligência) ou perda da habilidade de executar um movimento destinado a uma tarefa específica, como pentear o cabelo ou manusear os talheres durante uma refeição (apraxia).
- Alterações emocionais:
- Algumas pessoas após o AVC podem apresentar alterações de comportamento ou sintomas de ansiedade, depressão, com sentimentos de desesperança, falta de ânimo ou prazer nas atividades cotidianas.
O QUE FAZ A REABILITAÇÃO PÓS-AVC?
Diante destas sequelas, os esforços para minimizar o impacto na qualidade de vida e aumentar a recuperação funcional após o AVC é o foco da reabilitação. O seu principal objetivo é auxiliar as pessoas a reaprenderem as habilidades perdidas com a doença, a ganharem independência e melhorarem a qualidade de vida.
Por exemplo, as pessoas que não conseguem falar depois de um AVC podem reaprender a falar, ou pelo menos se comunicar de alguma forma alternativa. Da mesma maneira, as pessoas que não podem andar podem reaprender a andar, às vezes com auxílio de uma bengala ou andador.
Várias abordagens são importantes na reabilitação, e profissionais de diferentes áreas devem estar envolvidos nesse processo. O planejamento vai depender da parte do corpo afetada ou das funções afetadas pela doença.
Alguns dos profissionais que podem auxiliar nas estratégias de reabilitação são:
- Neurologista: profissional especializado no diagnóstico e tratamento do AVC, incluindo intervenções que auxiliem a prevenir que ocorram novos AVCs e a reduzir as chances de sequelas;
- Fisiatra: atua na estratégia de reabilitação oferecendo ao paciente meios e recursos para que ele possa se recuperar das limitações ocasionadas pelo AVC.
- Fisioterapeuta: auxilia nos problemas relacionados à movimentação e equilíbrio, sugerindo exercícios para fortalecer os músculos, ficar de pé, melhorar a caminhada e outras atividades.
- Terapeuta ocupacional: responsável por elaborar estratégias para que o paciente retorne a fazer as tarefas do dia a dia, como comer, tomar banho, se vestir, escrever, cozinhar, se comunicar, etc.
- Fonoaudiólogo: atua na recuperação da fala, leitura e escrita, além de ajudar os pacientes com dificuldade de engolir.
- Nutricionista: atua no planejamento da alimentação, especialmente em dietas com baixo teor de sódio, de gordura e calorias.
- Neuropsicólogo: auxilia os pacientes com alterações na memória, raciocínio e comportamento e no tratamento de alterações de humor, como ansiedade e depressão.
QUANDO COMEÇAR A REABILITAÇÃO E OS EXERCÍCIOS?
A reabilitação deve começar o mais cedo possível, idealmente ainda nas primeiras 48 horas após o AVC, caso as condições clínicas do paciente permitam. A recuperação varia de pessoa para pessoa, e é difícil prever o quanto o paciente irá melhorar dos sintomas ou quanto tempo isso levará.
É normal que a recuperação seja mais rápida nos primeiros meses, e depois diminua o ritmo lentamente, mas é importante não desanimar. Muitas pessoas continuam evoluindo devagar por meses ou até mesmo anos depois.
O sucesso da reabilitação dependerá de diversos fatores, incluindo:
- Gravidade do AVC;
- Fatores emocionais como a motivação e humor do paciente;
- Capacidade de manter as atividades fora das sessões de terapia;
- Apoio de amigos e familiares;
- Início precoce da reabilitação;
- Habilidade da equipe de reabilitação no tratamento de pacientes com AVC.
O comprometimento do paciente e o apoio de cuidadores, amigos e familiares são muito importantes para o sucesso da reabilitação.
DICAS IMPORTANTES NA FASE DE RECUPERAÇÃO APÓS O AVC
Após o AVC, é muito comum que as pessoas deixem de utilizar o lado do corpo acometido, mas essa atitude pode prejudicar o reaprendizado das funções perdidas pelos membros afetados. Por isso, é fundamental estimular o lado acometido com diferentes tarefas e informações sensoriais, mesmo que haja dificuldades, demore mais tempo ou necessite de apoio de outro membro. A adesão a uma rotina diária de exercícios, inclusive fora das sessões de terapia, é essencial para a recuperação dos movimentos.
Adaptações nos vestuários e no ambiente também são necessárias para facilitar a vida e prevenir quedas e acidentes. Por isso, é importante o uso de sapatos adequados, com solado antiderrapante, boa iluminação do ambiente, evitar o uso de tapetes e passadeiras, adaptar o banheiro com instalação de barras de apoio nas paredes, uso de cadeiras de banho e uso de tapete antiderrapante no box do banheiro.
Muitas vezes os pacientes necessitarão de tratamentos complementares, além dos exercícios de fisio, fono, psicologia ou TO, que podem incluir:
- Medicações orais para tratamento de dor, espasticidade ou alterações do humor;
- Aplicação de toxina botulínica (Botox®) para relaxamento dos músculos rígidos, redução de espasmos e prevenção de contraturas e deformidades;
- Uso de tecnologias assistivas, que incluem as órteses, próteses, meios auxiliares de locomoção, como bengala, andadores ou cadeiras de rodas, meios de comunicação alternativa, recursos de acessibilidade ao computador, entre outros.
- Estimulação elétrica funcional, que consiste na estimulação de grupamentos musculares por meio de eletricidade auxiliando na reeducação do movimento.
Com o avanço tecnológico, estão surgindo várias outras possibilidades de tratamento, como a robótica, exoesqueletos, uso de realidade virtual e neuroestimulação, todos com o objetivo de tornar ainda maior a chance e a velocidade da recuperação da funcionalidade e da qualidade de vida após o AVC.
A recuperação após o AVC pode ser uma experiência longa e difícil. É normal se deparar com dificuldades ao longo do caminho. A dedicação e a motivação do paciente e de sua rede de apoio para a melhora o ajudarão a obter o melhor benefício.
Referências:
Stroke rehabilitation: What to expect as you recover. Mayo Clinic, 2019. Disponível em: <https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/stroke/in-depth/stroke-rehabilitation/art-20045172>. Acesso em: 06 de mar. de 2022.
Post-Stroke Rehabilitation Fact Sheet. National Institute of Neurological Disorders and Stroke, 2021. Disponível em: <https://www.ninds.nih.gov/Disorders/Patient-Caregiver-Education/Fact-Sheets/Post-Stroke-Rehabilitation-Fact-Sheet>. Acesso em: 06 de mar. de 2022.
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PARA COMBATER E PREVENIR O AVC, A SBDCV RECOMENDA E ESTIMULA AS PESSOAS:
- Que conheçam seus fatores de risco: hipertensão arterial, diabetes, colesterol alto ou fibrilação atrial
- Que sejam fisicamente ativas e exercitem-se regularmente.
- Que se evite o ganho de peso e a obesidade, mantendo uma dieta saudável.
- Que se limite o consumo de álcool.
- Que evitem o uso do cigarro.
- Que todos aprendam a reconhecer os sinais de alerta de um AVC.
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